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O desafio da transformação digital na anestesiologia

Entrevista

22/04/2021

Em uma era em que os dados comandam tudo e todos, em que medimos até o número de passos para ir à padaria, a anestesiologia tem o urgente desafio de entrar para valer na Anestesia 4.0, a era dos dados e da inteligência artificial. “No Brasil, o anestesiologista sofreu um pouco de ostracismo dentro do hospital nos últimos 20 anos. Isso o deixou dissociado do contexto do hospital, que é digital da recepção ao faturamento”, afirma Diógenes Silva, CEO da Anestech.

Criador do aplicativo AxReg, Dr. Diógenes explica que o anestesiologista convive com duas realidades. Ao mesmo tempo que está cercado da mais alta tecnologia e atua no ambiente mais complexo do hospital, ele, na imensa maioria das vezes, registra seu prontuário em papel, mais precisamente em gigantes e desajeitadas folhas A3. “A literatura diz que a complexidade do centro cirúrgico é comparável à de uma sala de controle de tráfego aéreo e a uma operação de guerra. Mas o anestesiologista ainda faz seu prontuário usando caneta e papel. Considero isso a última fronteira do romantismo na medicina”, afirma Diógenes.

O Mount Sinai Journal of Medicine publicou, em 2021, que o anestesiologista constrói o melhor e mais completo prontuário médico dentro do hospital. Ele é o único médico que fica 100% do tempo no point of care – nem o intensivista faz isso –, atua com resultados imediatos, com margem de erro tendendo a zero, constrói o melhor prontuário com dados tomados a cada 5 minutos, mas preenche documentos em papel. De acordo com o Dr. Diógenes, ele gasta 40% do tempo total da cirurgia preenchendo o prontuário em papel.

Digitalizados e disponíveis

Com o AxReg, esse tempo cai drasticamente e aumenta a disponibilidade do médico para dar assistência ao paciente. Embora nem todos os hospitais tenham infraestrutura para isso, se o aplicativo estiver integrado aos equipamentos da sala de cirurgia e, portanto, a coleta de dados for automática, o anestesiologista vai levar um décimo do tempo despendido no modo analógico. Mesmo se a coleta não for automática, ainda assim o aplicativo facilita a vida do anestesiologista, que levará um quinto do tempo.

Melhorar a acurácia do dado e agilizar e facilitar a construção do prontuário anestésico são, porém, apenas alguns dos ganhos da transformação digital. No modo “papel e caneta”, os dados para quase nada servem, a não ser como documento e para faturamento de materiais e medicamentos. “Não são resgatáveis. A informação não vira conhecimento, não vira inteligência. Estamos numa era em que analisamos dados o tempo inteiro pelo smartphone. Não tem uma imagem que a gente faz upload da rede social que não seja analisada por inteligência artificial. E para prestar esse serviço crítico no point of care, não analisamos os dados que produzimos e anotamos a cada 5 minutos. Fica tudo guardado no prontuário”, observa Dr. Diógenes.

Digitalizados e acessíveis, esses dados vão compor um datalake, que, respeitando a ética, o compliance e a Lei Geral de Proteção de Dados, resultará numa biblioteca de informações que poderão dar o suporte o anestesiologista precisa na sua prática. Com aplicação de novas técnicas de análise de dados, através de machine learning, deep learning e inteligência artificial, pode-se analisar esse conjunto de informações, separar os padrões, aplicar a estatística, validar a informação como verdadeira e útil e devolvê-la em tempo real para o anestesiologista como insight de segurança.

Tradicionalmente, a anestesiologia sempre teve uma postura de vanguarda e foi rápida na incorporação de inovações. “Na lanterna da digitalização, a especialidade estava incomodada com a situação, quando a pandemia acelerou a consciência coletiva da classe de que é preciso se inserir no contexto digital dos hospitais. Gestão é palavra de ordem no hospital, e gestão se dá através de indicadores e análise contínua da informação a partir de dados”, afirma o Dr. Diógenes.

Se fidedignos, em volume suficiente e com a frequência necessária, os dados podem dar origem a indicadores para apoiar a gestão hospitalar e a qualidade do serviço. “As áreas de administração dos hospitais estão cheias de gráficos. Já vi até gráficos sobre número de carros no estacionamento e de roupa na rouparia, mas nunca vi um gráfico da anestesia. Por que isso? Porque não tem dado. Quantos pacientes acima do peso foram anestesiados? Quantos eventos adversos aconteceram? Tudo o que se anota fica perdido. Aí não é um documento médico.”

Diógenes

Dr. Diógenes, anestesiologista e CEO da Anestech: criador do aplicativo AxReg
Próximos avanços e desafios

O próximo passo, informa o Dr. Diógenes, será desenvolver a capacidade preditiva, em que o aplicativo, com base no banco de dados e nos sinais do paciente, prevê como será sua evolução e faz sugestões de conduta ao anestesiologista. “A ideia é que o aplicativo seja o Waze da anestesia, mas nunca vai substituir o profissional. O anestesiologista estará sempre no comando. O aplicativo dará um apoio cognitivo e ajudará a prever emergências, aumentando a segurança”, diz Diógenes.

Para o anestesiologista Diego May, médico anestesiologista do Hospital Moriah, a formação de banco de dados é justamente um dos desafios da especialidade para que possa se beneficiar da transformação digital. “Acredito que a digitalização da anestesia vai acontecer, mas não vai ser tão rápida nem da forma como as pessoas imaginam. Já li um artigo que dizia que o anestesiologista poderá ser substituído pela inteligência artificial. Eu não vejo assim. Ele sempre será uma figura importante dentro do centro cirúrgico, que é um ambiente complexo, de muita variabilidade, onde um erro pode ser fatal”, diz Dr. Diego May.

Ele explica que, para a adequada parametrização do software, é necessário ter bilhões de dados dos vários tipos de cirurgias. Depois, é preciso validar os benchmarks para que a máquina possa oferecer propostas seguras para cada situação. “A inteligência artificial não é a panaceia. Há muitos desafios a vencer. A formação desse banco de dados pode ser barrada por interesses corporativos e por sigilo médico, por exemplo. Podemos obrigar os pacientes a liberar o uso de seus dados por um bem maior? Precisamos ter muita gente colaborando para ter um banco de dados adequado.”

Aplicativo inédito

Desenvolvido pela startup brasileira Anestech, que é liderada por anestesiologistas, com apoio do Eretz.bio, do Hospital Israelita Albert Einstein, o app AxReg foi lançado em 2018. Ainda único no mercado, hoje é utilizado por 2.884 anestesiologistas e 1.332 instituições de forma gratuita e por 60 hospitais e clínicas de exames pagantes.


O aplicativo rastreia e analisa dados perioperatórios em tempo real, e entrega 55 indicadores de performance, como tempo de turnover de sala, taxa de start operacional, estratificação de eventos adversos, taxa de ocupação, tempo de recuperação pós-anestésica, rastreabilidade de drogas e OPMEs, horas trabalhadas, absenteísmo anestésico, cirúrgico e de pacientes, controle de consumo de gasoterapia anestésica e assertividade da antibioticoprofilaxia cirúrgica.

A Anestech faz parte da Miditec Acate, considerada a quinta melhor incubadora do mundo, e é membro do Club Health. Em 2020, foi uma das vencedoras do Prêmio 50+ Inovadores da Saúde, única em sua área de atuação, e em 2021 foi uma das 31 selecionadas para a fase de pré-aceleração do Programa de Aceleração Tecnológica IA2, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). A partir de 2022, a Anestech começa a internacionalização do produto pela Europa e América Latina.

Linha do tempo da especialidade

ANESTESIA 1.0 – Em 1846, o dentista norte-americano William Morton usa, pela primeira vez em público, o éter para efeito anestésico.

ANESTESIA 2.0 – No fim da década de 1930, começa a se desenvolver a ventilação mecânica, com a criação do pulmão de aço, um cilindro com dois motores que cobria o corpo deixando só a cabeça de fora, que foi muito usado para tratar casos graves na epidemia de poliomielite.

ANESTESIA 3.0 – Com o surgimento dos microchips, na década de 1980, novos equipamentos computadorizados portáteis começam a fazer parte do centro cirúrgico, como o cardioscópio, o oxímetro, o capnógrafo, o sensor de nocicepção e o BIS.

ANESTESIA 4.0 – Em 2018, começa a transformação digital da anestesia, que passa a focar dados e a inteligência a partir dos dados, graças a tecnologias como big data, inteligência artificial, robotização, predição.

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