Notícias SAESP

Especificidades da anestesiologia em cirurgia robótica de próstata

Entrevista

22/04/2021

Que o robô cada vez mais faz parte do centro cirúrgico é uma verdade indiscutível e um caminho sem volta. Sua utilização é uma evolução da videolaparoscopia, que por sua vez representou um grande passo em relação à técnica convencional de campo aberto.

Com seus braços e movimentos precisos a 360o, o robô adentrou o hospital para cirurgias de câncer de próstata e expandiu-se para diversas aplicações. Hoje, o dockstation é o instrumento central em cirurgias torácicas, pediátricas, abdominais e ginecológicas, entre outras. Boas instituições já têm mais de um robô.

Um dos mais renomados hospitais do país e referência no tratamento de câncer, o AC Camargo, de São Paulo, chega a realizar mais de 300 cirurgias robóticas por ano nas diversas especialidades, a maioria delas de câncer de próstata.

Mas ao contrário do cirurgião, que precisa fazer uma capacitação formal com simuladores e ser acompanhado por um proctor em seus primeiros procedimentos, o anestesiologista ainda não conta com um curso específico para cirurgias robóticas. A divulgação do conhecimento ocorre principalmente em congressos da especialidade.

Embora a técnica tenha uma certa semelhança com as cirurgias laparoscópicas, a que tanto cirurgiões como anestesiologistas estão bem acostumados, ela requer grande expertise do cirurgião e alguns cuidados específicos do anestesiologista, explica Dr. Eduardo Giroud, anestesiologista, docente e mestre na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Dr. Giroud também é intensivista e head de Anestesiologia do Hospital AC Camargo.

“De modo geral, não há dúvida de que a cirurgia robótica é a tendência, por permitir resultados tão bons ou melhores que as técnicas convencionais, com a vantagem de ser minimamente invasiva. Na cirurgia de câncer de próstata, do ponto de vista oncológico, o resultado é muito semelhante, mas o robô evita duas das complicações que mais preocupam os homens: a incontinência urinária e problemas de ereção. Rapidamente, eles voltam a ter a vida normal, dentro do basal de antes”, explica Dr. Giroud.

No âmbito de atuação do anestesiologista, o procedimento feito com auxílio do robô apresenta peculiaridades importantes, embora os principais riscos não estejam ligados diretamente à anestesia. “Noventa por cento das complicações pós-cirúrgicas nessa faixa etária estão relacionadas a descompensações por comorbidades antecedentes. Em 6% dos casos, as complicações decorrem da cirurgia, como infecção ou sangramento, e apenas 4% das complicações estão ligadas à anestesia. A anestesia é muito segura”, afirma.

giroud2

Peculiaridades e pontos de atenção

Como o câncer de próstata acomete mais pacientes acima de 60 anos, em geral eles apresentam comorbidades cardiovasculares, arteriopatias, problemas na circulação cerebral, diabetes, hipertensão, entre outras. Muitos deles estão frágeis. Por isso, Dr. Giroud explica que, como médico responsável por todo o período perioperatório, o anestesiologista tem uma atuação fundamental na pré-avaliação, estabilização e otimização do paciente para o procedimento.

“É muito importante, cerca de 15 dias antes, o anestesiologista atuar para pré-condicionar o paciente para a cirurgia. O pré-operatório é o melhor momento para agir e controlar a pressão, o diabetes, melhorar a condição pulmonar, entre outras. Com isso, reduzimos custos, o tempo de internação e recuperação, mas principalmente, os riscos de descompensações das comorbidades clínicas antecedentes.” Ele informa que, nos países desenvolvidos, os anestesiologistas não estão mais focados em apenas conhecer o paciente, mas em fazer esse pré-condicionamento.

No intraoperatório, a preocupação é facilitar o acesso dos braços do robô ao campo cirúrgico, o que é feito insuflando gás carbônico na cavidade abdominal, visando também a uma boa visibilidade. A formação de pneumoperitônio ou pneumoretroperitônio, porém, altera a dinâmica de respiração, cardiovascular, com impacto na perfusão de alça intestinal e em perfusão renal. Mexe com todo o organismo do paciente, havendo ainda o risco de absorção desse gás.

“Os problemas respiratórios e hemodinâmicos podem ser contornados, com uma boa monitorização hemodinâmica. É preciso haver uma interação muito grande entre o anestesiologista e a equipe cirúrgica para chegar a um acordo, porque quanto maior a pressão do gás, maiores são as repercussões nas condições do paciente. Imagine essa situação num paciente que tem antecedentes clínicos. A situação fica muito mais complexa”, alerta.

Outro cuidado é fazer a monitorização da profundidade do bloqueio neuromuscular, já que alterações importantes nesse bloqueio e outras complicações podem obrigar o cirurgião desistir da cirurgia robótica e passar para a cirurgia de campo aberto. “Dependendo do comportamento do paciente na cirurgia minimamente invasiva, o menor mal que se pode fazer ao paciente é fazer uma cirurgia aberta”, afirma.

Outra peculiaridade da cirurgia robótica de próstata que inspira cuidado do anestesiologista é o posicionamento do paciente, que fica na Posição de Trendelenburg, também conhecida como céfalo-declive. O objetivo é tirar todo o conteúdo abdominal da pélvis do paciente em direção ao diafragma para que o cirurgião tenha melhor acesso à próstata. Podem acontecer os mesmos problemas, já mencionados como instabilidade ou alteração hemodinâmica e também pode complicar do ponto de vista ventilatório, porque pressiona o diafragma e restringe o quadro pulmonar.

Segundo o Dr. Giroud, equacionadas todas essas questões de posicionamento, pneumoperitônio e antecedentes clínicos, os resultados da cirurgia robótica são fantásticos. Mas esses cuidados são essenciais para minimizar riscos e para o melhor desfecho, permitindo ao paciente um resultado efetivo do ponto de vista oncológico sem problemas de incontinência urinária e de ereção.

Planejamento anestésico

plan

O planejamento anestésico deve levar em conta a previsão do tempo cirúrgico. Em média, o ato cirúrgico dura de duas a cinco horas, mas pode chegar a seis horas dependendo da experiência da equipe cirúrgica e principalmente da complexidade do caso.

Mesmo sendo um procedimento minimamente invasivo, merece atenção a dor no pós-operatório. A recomendação, dependendo do procedimento de acordo com o grau de estadiamento, é associar anestesia regional, como raquianestesia ou peridural, à anestesia geral, objetivando melhor analgesia no intraoperatório e um pós-operatório mais confortável ao paciente. Com menos dor, evita-se o uso de medicações sistêmicas que causam náusea, vômito, depressão respiratória, além de permitir deambulação mais precoce com menor incidência de infecções e fenômenos tromboembólicos. “Essa combinação, se bem-feita, muda toda a história do paciente”, conclui Dr. Giroud.

Fonte:

Whatsapp