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Anestesia para Tatuagens

Entrevista

17/02/2023

Anestesia para tatuagens

Tema tem gerado discussão entre os profissionais da área no Brasil sobre a seriedade da aplicação de anestesia geral para fins não cirúrgicos.

No final de 2022 fomos surpreendidos com a exótica notícia de que um cantor de funk foi tatuado sob efeito de anestesia geral. A grande divulgação do fato levou à discussão sobre a seriedade da aplicação de anestesia geral para fins não cirúrgicos, podendo banalizar um procedimento ímpar no desenvolvimento da cirurgia e muito focado na segurança do paciente.

Além contra-indicação relativa por parte dos tatuadores à aplicação de anestesia aos seus clientes, a prática também é controversa entre anestesiologistas, que enxergam riscos ao procedimento anestésico sem necessidade médica. Afinal, a anestesia não é um procedimento totalmente isento de riscos

O que falam os tatuadores?
O blog Tattoo2me publicou um artigo que buscou desvendar algumas questões sobre a aplicação de anestésicos nos clientes em seus estúdios. 

Sabemos que o uso é possível, como aconteceu recentemente. Porém os tatuadores, em sua grande maioria, não aconselham a utilização de qualquer anestésico, desde a anestesia geral até mesmo produtos de ação local. 
Segundo alguns tatuadores, a tatuagem pode sofrer alteração quando realizada em local sob efeito do anestésico local, com comprometimento do resultado final. O pigmento da tinta pode sofrer alterações com este contato. 

O Dr. Ronaldo Silva, anestesiologista do Hospital AC Camargo, estuda este tema há anos, inclusive com publicações a respeito. A equipe de reportagem da SAESP conversou com o especialista a respeito. Confira a entrevista:

SAESP - O senhor enxerga necessidade de aplicar anestesia para alguém se tatuar?

Dr. Ronaldo Silva - O anestesiologista, há algum tempo, deixou de prestar serviços exclusivamente dentro de Centros Cirúrgicos. Hoje atuamos em uma série de outros setores, tanto hospitalares quanto em clínicas especializadas para diagnósticos ou terapêuticos, um exemplo clássico é o exame de ressonância nuclear magnética, que muitos pacientes claustrofóbicos hoje o fazem sob os cuidados de um anestesiologista, com total conforto e segurança. Da mesma maneira, os indivíduos que desejam tatuar grandes áreas corporais e têm pouca tolerância à dor, a anestesia ganhou mais uma área de atuação, desde que, claro, todos os itens de segurança próprios da anestesiologia sejam seguidos à risco.

SAESP - Quais riscos estão envolvidos?

Dr. Ronaldo Silva - Todos os indivíduos que irão se submeter a um procedimento anestésico devem previamente ser avaliados por um anestesiologista. Nesta avaliação pré-anestésica são solicitados os exames indicados para o procedimento alinhado com a história clínica do paciente. Desta maneira, é possível avaliar e antecipar possíveis complicações e se discutir o risco. A anestesiologia é uma especialidade que se desenvolveu muito, tanto em termos de monitorização perioperatória, quanto em relação aos fármacos utilizados, e por isto, quando bem avaliado os riscos são minimizados.

É importante ressaltar que o local onde vai ser realizado o ato anestésico deve ter estrutura adequada, equipe de apoio e estar de acordo com as exigências definidas pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) e pela vigilância sanitária. É inaceitável realizar um procedimento anestésico em um estúdio de tatuagem ou outro local que não esteja preparado para tal finalidade.

SAESP - Nestes casos, de anestesia geral, o senhor sabe se um anestesiologista ficou presente o tempo todo?

Dr. Ronaldo Silva - Está na mídia que nos Estados Unidos, por exemplo, várias celebridades têm se submetido a procedimentos anestésicos para realização de tatuagens. As tatuagens foram feitas em clínicas especializadas e acompanhadas por uma equipe multiprofissional, e os valores ficam em torno de quarenta mil dólares (mais de duzentos mil reais).

SAESP - Existe alguma implicação ética para o anestesiologista fazer este trabalho?

Dr. Ronaldo Silva - O anestesiologista, sempre que vai realizar uma anestesia, deve se certificar da estrutura do local onde atuará, e se assegurar se tudo está de acordo com as normas exigidas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e CFM, além de estar amparado por uma equipe treinada de enfermagem e outros profissionais que se fazem necessários para o procedimento anestésico.

É importante discutir a necessidade da anestesia com o paciente e com o tatuador, para que não se cometam atrocidades, como por exemplo, realizar uma anestesia geral para tatuar uma simples palavra ou um desenho pequeno. Isto parece, pra mim, ser pouco ético.

SAESP - Anestésicos de uso tópico como Lidocaína e Prilocaína são mais indicadas se a pessoa não quer sentir dor ao se tatuar? 

Dr. Ronaldo Silva - A aplicação de anestésicos tópicos para a realização de tatuagens é possível, todavia, estas medicações não devem ser utilizadas em doses elevadas ou em grandes áreas, devido aos efeitos colaterais próprios dos anestésicos locais, como por exemplo, neuro e cardiotoxicidade, podendo evoluir em situações extremas para parada cardíaca de difícil reversão.

SAESP -  Para pessoas que já tem tatuagem, existe algum risco envolvido ao se submeter a uma anestesia? O senhor toma alguma precaução?

Dr. Ronaldo Silva - Em pacientes tatuados no local da punção existe uma discussão sobre a segurança da realização de bloqueios de neuroeixo ou bloqueios regionais através da tatuagem. Minha tese de doutorado mostrou, em coelhos, a inflamação das meninges e até mesmo áreas de aracnoidite adesiva nos animais nos quais fizemos uma tatuagem lombar e realizamos raquianestesia. Existem relatos também na literatura de lesões nervosas periféricas em indivíduos nos quais foi realizado um bloqueio regional através da tatuagem. Isto nos sugere uma possível relação do pigmento com estes eventos. O princípio da precaução nos sugere, então, que devemos evitar a realização de anestesia em áreas tatuadas, e em algumas situações, por exemplo, mulheres grávidas que serão submetidas a anestesia regional, a utilização de guias para evitar que a agulha de bloqueio cruze a tatuagem. Mais trabalhos são necessários para nos ajudar a melhorar os índices de Segurança do Paciente com tatuagem.

Fonte:

SAESP
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