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Crise dos opioides: qual a real situação do Brasil?

Covid

07/06/2023

Dois temas recorrentes nos noticiários brasileiros recentes são a crise de opioides nos Estados Unidos e a crise de drogas ilícitas no Brasil, com destaque para a situação dos usuários de crack e K-9, no centro da cidade de São Paulo. Os dois assuntos são extremamente relevantes e preocupam as autoridades, a comunidade médica e a sociedade em geral.


Vamos começar a entender quais são as principais diferenças entre o tratamento de dor no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo o anestesiologista e algologista Guilherme Antonio Moreira de Barros, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP e Vice-Diretor de Relações Internacionais da SESP, a maior diferença está nas doses de opioides utilizadas nos dois países. “No Brasil, o tratamento sempre é feito com uso de doses conservadoras e com, obrigatoriamente, uma analgesia multimodal associada, ou seja, o uso de outros medicamentos, que colaboram com a redução da necessidade do uso e das doses empregadas de opioides. Situação bem diferente nos Estados Unidos, onde doses bem mais liberais são empregadas, além do uso em situações que não utilizamos”, diz.


“Por exemplo, no pós-operatório de extração dentária no Brasil, é muito raro alguém usar algum opioide fraco, mas, nos Estados Unidos, é muito comum que opioides potentes, como a oxicodona, sejam prescritos para esses pacientes”, explica.


Outra diferença citada pelo médico, é o sistema de pagamento dos profissionais. “Nos Estados Unidos, o valor que o profissional recebe pelo atendimento varia, significativamente, de acordo com grau de satisfação que o paciente tem com o médico. Então, para evitar pontuações baixas, os médicos têm uma tendência natural a prescrever o que os pacientes pedem ou a diminuir ao máximo o risco de que o paciente tenha dor no pós-operatório, por exemplo. Por isso, o uso de opioides é feito de maneira muito mais liberal do que acontece no Brasil”, completa. 


E, por último, Barros ressalta a diferença de preços entre os dois países. Levando em consideração o poder aquisitivo da população, no Brasil os opioides são bem mais caros em relação aos Estados Unidos. 


Sobre os opioides, em si, diferente do que a maioria das pessoas pensa, os efeitos disforizantes são desagradáveis para a maior parte da população que, eventualmente, seja exposta ao uso de opioides. Em outras palavras, apenas uma parcela pequena de pacientes gosta dos efeitos produzidos por essas substâncias. Conforme explica o médico, “são indivíduos com fatores genéticos pré-determinantes, que aumentam o risco se tornar um usuário crônico de psicotrópicos, incluindo álcool, tabaco e outros medicamentos, como por exemplo benzodiazepínicos, que são os pacientes de risco para o abuso ou que gostam dos efeitos disforizantes dos opioides".


Barros afirma que há dados mostrando que, no Brasil, temos um número pequeno de pacientes ou de indivíduos, da população em geral, que são viciados em opioides. “Há outras drogas ilícitas no Brasil, que têm um papel muito mais importante na epidemiologia do abuso de substâncias, por exemplo, a cocaína e o crack, que, como sabemos, têm maiores consequências sociais na nossa realidade. Diferente do que acontece nos Estados Unidos, onde além dessas substâncias, a metanfetamina e, em particular, a heroína e o fentanil também estão bem presentes na sociedade”, complementa. 


Tendo em vista esses cenários, qual é o caminho para diminuir o problema do uso de opioides? 


Barros esclarece que temos que pensar que existem duas crises diferentes. “Uma é a crise americana, especificamente da superutilização, do abuso e das mortes induzidas por overdose. Nós não temos uma crise de opioides, porque basta ver o consumo per capita brasileiro, que é muito inferior do que acontece na Europa, onde se considera não existir crise de opioides. Na nossa realidade, nós temos outra crise que é a subutilização. Muitos pacientes continuam sentindo dor significativa, pela baixa prescrição dos opioides por parte dos médicos. Os profissionais sofrem com o enorme receio da prescrição, devido à crise americana. Então, eu não acho que temos que tomar medidas para diminuir a utilização dos opioides no país. Temos que lutar por condutas que passam pela educação dos médicos e da população em geral, para que estes prescrevam e utilizem de maneira adequada os opioides”. 


Mas o que significa uma utilização adequada? O médico responde que “significa a utilização de opioides na menor dose, no menor tempo possível e sempre em um esquema multimodal, que contemple outras classes de medicamentos analgésicos. Mas, que também sejam utilizadas outras terapias complementares de analgesia, como a fisioterapia e outras técnicas complementares, como a acupuntura e a psicoterapia”.


Nesse tratamento multimodal, o anestesiologista tem um papel importantíssimo no tratamento da dor. “Sabemos que a utilização indiscriminada de opioides aumenta o risco do paciente se tornar um usuário crônico para fins recreativos. Por outro lado, o subtratamento da dor também expõe o paciente ao risco de automedicação desses analgésicos. Então, o anestesiologista, que entre as especialidades médicas é aquele que melhor conhece o emprego e a farmacologia dos opioides, deve tratar adequadamente os pacientes, especialmente no período perioperatório, na intenção de evitar o risco do desenvolvimento de dor crônica. E também deve empregar, sempre que possível, a analgesia multimodal, que nós, anestesiologistas, conhecemos muito bem”, finaliza.

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